sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O ateísmo de José Saramago

Artigo de Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, arcebispo de Sorocaba, extraído do site da Revista Família Cristã.

Foi triste ler as declarações do escritor português, José Saramago, sobre a condição humana e sobre Deus. Ele afirmou que a humanidade não merece o dom da vida. Os animais, guiados pelo instinto, são melhores que o ser humano dotado de razão. Suas afirmações, como ele mesmo confessa, exprimem uma raiva incontida. Deus não passa de uma criação da mente humana para enganar-se sobre sua triste condição.

A resposta de Saramago a questões tão pungentes foi desde moço a adesão ao comunismo. Embora o comunismo tenha-se revelado incapaz de solucionar o drama humano, Saramago continua carregando consigo essa fé, uma fé com as marcas de seu pessimismo.

O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo de hoje, Gaudium et Spes, ao analisar as várias formas de ateísmo – um fenômeno complexo – afirma: “o ateísmo se origina não raramente ou de um protesto violento contra o mal no mundo, ou do caráter do próprio absoluto que se atribui indevidamente a alguns bens humanos de tal modo que sejam considerados como Deus”(n. 19). Saramago tem raiva do mundo com suas mazelas e injustiças, por isso não pode crer em Deus. Essa raiva, ele a projeta, especialmente na Igreja.

É verdade que o ateísmo é possível. Deus não é uma evidência. É sempre um Deus escondido. É de Pascal a afirmação: “Deus suficientemente revelado nas Escrituras para aqueles que o buscam de todo o coração e Deus suficientemente oculto nas Escrituras para aqueles que não o buscam de todo o coração”. Lembro-me da pergunta dirigida a Deus pelo Papa Bento XVI quando de sua visita ao campo de concentração nazista em Auschwitz: “onde estavas, Senhor?” Os místicos como, por ex., Madre Tereza de Calcutá, experimentaram esta ausência de Deus.

O Deus amado se esconde, uma dolorosa noite envolve o espírito do místico. Mas a certeza da fé e a profundidade do amor não morrem. Tereza de Calcutá, vivendo por longos anos a experiência dessa noite escura, aceita-a e quer vivê-la em comunhão com os ateus de nosso tempo que sofrem, sem esperança e sem fé, essa ausência de Deus. Tereza chega a afirmar que houve momentos em que ela esteve à beira do abismo. A fé sustenta os místicos e estes se tornam sempre mais solidários da humanidade que sofre. Vivendo a dor da ausência de Deus, Tereza afirmou algo mais ou menos assim: “estou disposta a esperar por uma eternidade” a manifestação daquele que tanto amo. Enquanto Ele não vem, Tereza se dedica aos mais infelizes dos seres humanos. Recolhe moribundos nas ruas e diz aos que a questionam sobre a ineficácia desse procedimento que não ataca as causas da miséria: “eles morrerão sabendo que foram amados”.

O tempo do Advento é tempo oportuno para buscar Deus. Ele veio. Ele vem. Ele virá. Ofereço ao leitor trechos da reflexão de Santo Anselmo sobre a procura de Deus. Assim: “Vamos, coragem, pobre homem, foge um pouco de tuas ocupações. Esconde-te um instante do tumulto de teus pensamentos. Põe de parte os cuidados que te absorvem e livra-te das preocupações que te afligem. Dá um pouco de tempo a Deus e repousa n’Ele. Entra no íntimo de tua alma, afasta tudo de ti, exceto Deus ou o que possa ajudar-te a procurá-lo. Agora fala, meu coração, abre-te e diz a Deus: busco a vossa face; é vossa face que eu procuro”.

Consciente de que o ser humano não pode por si mesmo encontrar Deus, mesmo sabendo de sua existência, Santo Anselmo continua: “E vós, Senhor até quando? Até quando, Senhor, nos esquecereis, até quando nos ocultareis vossa face? Quando nos olhareis e nos ouvireis? Quando iluminareis nosso olhos e nos mostrareis vossa face? Quando voltareis a nós? Olhai-nos, Senhor, ouvi-nos, mostrai-vos a nós. Dai-nos novamente a vossa presença para sermos felizes, pois sem vós somos tão infelizes! Tende piedade dos rudes esforços que fazemos para alcançar-vos, nós que nada podemos sem vós. Ensinai-me a vos procurar e mostrai-vos quando vos procuro; pois não posso procurar-vos se não me ensinais e nem encontrar-vos se não vos mostrais.

Que desejando, eu vos procure; procurando, vos deseje; amando-vos, vos encontre e encontrando, vos ame”. Se procurares a Deus de todo o coração, uma estrela aparecerá no firmamento de tua alma, e te conduzirá a uma criança onde Deus está suficientemente revelado para aqueles que o procuram de todo o coração. Advento é tempo de buscar.

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