À diocese de Roma
CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 29 de janeiro de 2008
Queridos fiéis de Roma:
Eu quis dirigir-me a vós com esta carta para falar-vos de um problema que vós mesmos experimentais e no qual estão comprometidos os diferentes componentes de nossa Igreja: o problema da educação. Todos nos preocupamos profundamente pelo bem das pessoas que amamos, em particular de nossas crianças, adolescentes e jovens. Sabemos, de fato, que deles depende o futuro de nossa cidade. Devemos, portanto, preocupar-nos pela formação das futuras gerações, por sua capacidade de orientar-se na vida e de discernir o bem do mal, por sua saúde não só física, mas também moral.
Pois bem, educar nunca foi fácil, e hoje parece ser cada vez mais difícil. Este fato é bem conhecido pelos pais de família, professores, sacerdotes e todos os que têm responsabilidades educativas diretas. Fala-se, por este motivo, de uma grande “emergência educativa”, confirmada pelos fracassos que encontram com muita freqüência nossos esforços por formar pessoas sólidas, capazes de colaborar com os outros e de dar um sentido à própria vida. Então se coloca a culpa espontaneamente nas novas gerações, como se as crianças que hoje nascem fossem diferentes das que nasciam no passado. Fala-se também de uma “fratura entre as gerações”, que certamente existe e tem seu peso, mas é mais o efeito e não a causa da falta de transmissão de certezas e de valores.
Portanto, temos de colocar a culpa nos adultos de hoje, que já não são capazes de educar? Certamente, é forte a tentação de renunciar, tanto entre os pais como entre os professores, e em geral entre os educadores, e inclusive se dá o risco de não compreender nem sequer qual é seu papel ou inclusive a missão que lhes foi confiada. Na verdade, não estão em jogo somente as responsabilidades pessoais dos adultos e dos jovens, que certamente existem e não devem esconder-se, mas também um ambiente difundido, uma mentalidade e uma forma de cultura que levam a duvidar do valor da pessoa humana, do próprio significado da verdade e do bem, em última instância, da bondade da vida. Torna-se difícil, então, transmitir de uma geração a outra algo válido e certo, regras de comportamento, objetivos confiáveis sobre os quais se pode construir a própria vida.
Queridos irmãos e irmãs de Roma: frente a esta situação, quero dizer-vos algo muito simples: Não tenhais medo! Todas estas dificuldades, de fato, não são insuperáveis. São mais, por assim dizer, o outro lado da moeda desse dom grave e precioso que é nossa liberdade, com a responsabilidade que justamente implica. Ao contrário do que acontece no campo tecnológico ou econômico, onde os processos de hoje podem somar-se aos do passado, no âmbito da formação e do crescimento moral das pessoas não se dá uma possibilidade semelhante de acumulo, pois a liberdade do homem sempre é nova e, portanto, cada pessoa e cada geração têm de tomar nova e pessoalmente suas decisões. Inclusive os maiores valores do passado não podem ser simplesmente herdados, têm de ser assumidos e renovados através de uma opção pessoal, que com freqüência custa.
Agora, quando se abalam os fundamentos e faltam certezas essenciais, a necessidade desses valores é sentida de maneira urgente: concretamente, aumenta hoje a exigência de uma educação que seja realmente tal. Ela é pedida pelos pais, preocupados e com freqüência angustiados pelo futuro de seus filhos; é pedida por tantos professores, que vivem a triste experiência da degradação de suas escolas; é pedida pela sociedade em seu conjunto, que vê como se põem em dúvida as próprias bases da convivência; é pedida em sua intimidade pelos próprios jovens, que não querem ficar abandonados ante os desafios da vida. Quem crê em Jesus Cristo tem também um ulterior e mais intenso motivo para não ter medo: sabe que Deus não nos abandona, que seu amor nos alcança onde estamos e como estamos, com nossas misérias e fraquezas, para oferecer-nos uma nova possibilidade de bem.
Queridos irmãos e irmãs: para tornar minhas reflexões mais concretas, pode ser útil encontrar alguns requisitos comuns para uma autêntica educação. Antes de mais nada, é necessária essa proximidade e essa confiança que nascem do amor: penso nessa primeira e fundamental experiência do amor que as crianças fazem, ou que ao menos deveriam fazer, com seus pais. Mas todo autêntico educador sabe que para educar é preciso dar algo de si mesmo e que só assim pode ajudar seus alunos a superar os egoísmos para poder, por sua vez, ser capazes do autêntico amor.
Em uma criança pequena já se dá também um grande desejo de saber e compreender, que se manifesta em suas contínuas perguntas e petições de explicações. Pois bem, seria uma educação sumamente pobre a que se limitasse a dar noções e informações, deixando de lado a grande pergunta sobre a verdade, sobretudo sobre essa verdade que pode ser a guia da vida.
O sofrimento da verdade também faz parte de nossa vida. Por este motivo, ao tentar proteger os jovens de toda dificuldade e experiência de dor, corremos o risco de criar, apesar de nossas boas intenções, pessoas frágeis e pouco generosas: a capacidade de amar corresponde, de fato, à capacidade de sofrer, e de sofrer juntos.
Deste modo, queridos amigos de Roma, chegamos ao ponto que talvez seja o mais delicado na obra educativa: encontrar o equilíbrio adequado entre liberdade e disciplina. Sem regras de comportamento e de vida, aplicadas dia após dia em pequenas coisas, não se forma o caráter e não se prepara para enfrentar as provas que não faltarão no futuro. A relação educativa é, antes de mais nada, o encontro entre duas liberdades, e a educação conseguida é uma formação para o uso correto da liberdade. Na medida em que a criança vai crescendo, ela se converte em um adolescente e depois em um jovem; temos de aceitar, portanto, o risco da liberdade, permanecendo sempre atentos para ajudar os jovens a corrigir idéias ou decisões equivocadas. O que nunca podemos fazer é apoiá-los nos erros, fingir que não os vemos ou, pior ainda, compartilhá-los, como se fossem as novas fronteiras do progresso humano.
A educação não pode prescindir do prestígio que torna confiável o exercício da autoridade. Esta é fruto de experiência e competência, mas se conquista, sobretudo, com a coerência da própria vida e com o envolvimento pessoal, expressão do amor autêntico. O educador é, portanto, uma testemunha da verdade e do bem: certamente ele também é frágil, e pode ter falhas, mas procurará estar sempre novamente em sintonia com sua missão.
Queridos fiéis de Roma, destas simples considerações, se vê como na educação é decisivo o senso de responsabilidade: responsabilidade do educador, certamente, mas também, na medida em que vai crescendo com a idade, responsabilidade do filho, do aluno, do jovem que entra no mercado de trabalho. É responsável quem sabe dar respostas a si mesmo e aos outros. Quem crê busca, também e antes de tudo, responder a Deus, que o amou primeiro.
A responsabilidade é, em primeiro lugar, pessoal; mas também há uma responsabilidade que compartilhamos juntos, como cidadãos de uma mesma cidade e de uma mesma nação, como membros da família humana e, se somos crentes, como filhos de um único Deus e membros da Igreja. De fato, as idéias, os estilos de vida, as leis, as orientações globais da sociedade em que vivemos, e a imagem que oferece de si mesma através dos meios de comunicação, exercem uma grande influência na formação das novas gerações, para o bem e com freqüência também para o mal. Pois bem, a sociedade não é algo abstrato; no final, somos nós mesmos, todos juntos, com as orientações, as regras e os representantes que escolhemos, ainda que os papéis e a responsabilidade de cada um sejam diferentes. É necessária, portanto, a contribuição de cada um de nós, de cada pessoa, família ou grupo social, para que a sociedade, começando por nossa cidade de Roma, se converta em um ambiente mais favorável à educação.
Por último quero propor-vos um pensamento que desenvolvi na recente carta encíclica “Spe salvi” sobre a esperança cristã: só uma esperança fiável pode ser alma da educação, como de toda a vida. Hoje, nossa esperança é afetada por muitas partes e também nós corremos esse risco, como os antigos pagãos, homens “sem esperança e sem Deus neste mundo” – como escrevia o apóstolo Paulo aos cristãos de Éfeso (Efésios 2, 12). Daqui nasce precisamente a dificuldade talvez ainda mais profunda de realizar uma autêntica obra educativa: na raiz da crise da educação se encontra, de fato, uma crise de confiança na vida.
Portanto, não posso terminar esta carta sem um caloroso convite a pôr nossa esperança em Deus. Só Ele é a esperança que resiste a todas as decepções, somente seu amor não pode ser destruído pela morte; só a justiça e a misericórdia podem curar as injustiças e recompensar os sofrimentos padecidos. A esperança que se dirige a Deus não é nunca esperança só para mim; é sempre, ao mesmo tempo, esperança para os outros: não nos abandona, mas nos torna solidários no bem, estimula-nos a educar-nos reciprocamente na verdade e no amor.
Saúdo-vos com afeto e vos garanto uma lembrança especial na oração, enquanto envio a todos a minha bênção.
Vaticano, 21 de janeiro de 2008
BENEDICTUS PP. XVI
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